Ganhar ou perder tudo?[1]

 Da necessidade da aposta (97-113)[2]

                                  Blaise Pascal

 A fé é vivido e apresentado de muitas e tão diversas formas: Como um combate, como uma busca fadigosa, como um jogo de corrida no estádio…  Pascal, aqui,  apresenta como jogo da aposta, que ou ganho ou perco. De alto risco e de alto ganho. E como é próprio do jogo, dou o pouco que tenho para ganhar o muito.

A imortalidade da alma, um assunto que a todos interessa mas uns buscam com todas as forças instruir-se e outros nem sequer procuram pensar nisso. A negligência das pessoas que não se interessam pelas questões fundamentais da vida como a sua eternidade e o seu todo, torna-se irritante para o autor. Isto é um interesse humano e de amor-próprio da pessoa humana, não é uma devoção espiritual. Perante a morte que ameaça o ser humano a cada instante, o homem deve se questionar se será eternamente condenado ou eternamente feliz.

 Eis o que está em jogo: Cair no nada ou cair nas mãos de Deus? Não são questões fáceis de se resolver e por isso alguns desistem de as pôr. Pascal despreza os que desistem e se considerem eles próprios a sua razão de existirem e o seu fim. Estas pessoas não são dignos de confiança de um amigo porque são desarrazoados. “Nada é tão importante para o homem como o seu estado; nada lhe é tão temível como a eternidade; não é natural, portanto, que haja homens indiferentes à perda de seu ser e ao risco de uma eternidade de misérias”. Contudo há homens que se preveem e sentem as penas mais leves (como por exemplo perda de um cargo) e preferem ignorar o seu fim sabendo que vão perder tudo e, ficam tranquilos. Para o autor, é uma estranha inversão ser-se sensível nas pequenas coisas e insensível nas grandes. Em suma, os homens que vivem sem a busca de verdade que lhes é muito importante, cometem uma injustiça. Esta vida é efémera e a morte é eterna por isso se deve regular esta vida (pensamentos e ações) a partir da outra, embora haja homens que se recusam olhar e esperam a morte para tirar conclusões.

As duas verdades que a fé cristã afirma são: a corrupção da natureza a redenção de Jesus Cristo”.

Ainda que em (1Cor 1,18-21) se pareça uma loucura a fé cristã e que Pascal defende, não é contrária a razão. “Joga-se cara ou coroa”. Em que apostais? A probabilidade de ganho e de perda é igual mas, o que se arrisca é finito e o que se ganha é infinito portanto é desproporcional. E convida a acreditar no que a religião propõem: acreditar em Deus. O caminho é começar a diminuir as paixões e. em cada passo que se dá neste caminho se vê mais a certeza do ganho e a nulidade no que se arisca. Para os que dizem que não demorariam abandonar os prazeres se tivessem fé, Pascal propõe começar por abandonar os prazeres sem demorar para chegarem a fé, “cabe-nos a nós começar”. E, escreve ele, “reconhecereis, por fim, que apostastes numa verdade. Não é que se vê com certeza mas também nesta vida nada é certo, viagens, marítimas, batalhas, nem o dia de amanhã. Apesar disso a regra dos partidos[3] é trabalhar e viver como se fosse certo mesmo não sendo.   Por fim, baseado nesta regra de partidos em que se deve apostar comprometendo-se nisto. o autor afirma dizendo: “Teria muito mais medo de me enganar, e vir a achar que a religião cristã é verdadeira, do que me enganar por julga-la verdadeira”.  

Pascal reconhece que é Deus que põe a religião no espirito pela razão e, no coração pela graça. Afirma que a busca de Deus e da alma deve ser o principal interesse da pessoa humana. Tem tudo a ver connosco uma vez que a nossa vida é efémera. A lembrança da morte não é para viver angustiado mas para viver com sabedoria e em busca da plenitude já presente, como Jesus. Pascal é contra o repouso na ignorância[4] dizer não sei e baixar os braços. Apostar sim na existência de Deus, acreditar e viver conforme se acredita e em busca permanente da revelação de Deus na religião cristã. É assim que se chega ao conhecimento da verdade, eis o caminho proposto por Pascal, para obter a vida eterna da alma (Jo 17, 3).

 Pascal parece radical mas também Jesus foi, segundo lembra o Papa Francisco “Jesus é radical. Dá tudo e pede tudo: dá um amor total e pede um coração indiviso (não admite outros deuses). Também hoje Se nos dá como Pão vivo; poderemos nós, em troca, dar-Lhe as migalhas? A Ele, que Se fez nosso servo até ao ponto de Se deixar crucificar por nós, não Lhe podemos responder apenas com a observância de alguns preceitos. A Ele, que nos oferece a vida eterna, não podemos dar qualquer bocado de tempo. Jesus não Se contenta com uma «percentagem de amor»: não podemos amá-Lo a vinte, cinquenta ou sessenta por cento. Ou tudo ou nada” [5].

Neste més do Sagrado Coração de Jesus, em que a Igreja celebra o Seu Amor por cada pessoa e lembra os espinhos da minha ingratidão, volto a alimentar-me com estas leituras. “Oh, esse raciocínio me transporta, me encanta, etc.”[6], me empurra para o Evangelho, quase “sem querer” e aos trambolhões. Estas leituras, homilias, conferencias ou conversas me levam até Deus ao qual humildemente lhe dou o meu coração, assim como está…

 Ir. Arta Lekaj   



[1] Bazado num trabalho de Teologia Filosófica, sob a orientação de Dr.ª Maria Inês Bolinhas.

[2] PASCAL, Pensamentos, Difusão Europeia do Livro, São Paulo, 1961.

[3]Ibidem, pg. 112.

[4]Ibidem, pg. 104.

[6] PASCAL, Pensamentos, Difusão Europeia do Livro, São Paulo, 1961, pg. 112.

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