Tríduo no Convento

O mistério da Paixão, morte e ressurreição de Cristo, embora seja o centro da nossa fé cristã, lembrado e comemorado todos os dias, em todo o mundo, em cada santa missa, continua sendo um mistério. O tempo da Semana Santa chama-nos, especialmente, a refletir aqueles últimos momentos que se tornariam os momentos centrais do conjunto do projeto de Deus para a humanidade. Para “entrar na lógica” é preciso dar tempo e espaço para Deus, de forma especial, nestes dias: foi o que fizemos no convento durante o retiro do Tríduo Pascal.


Retiro, retirar, retirar-se. Em sua agonia final, Cristo foi de tudo retirado e a tudo retirou-se. Na Santa Ceia, retirou o manto, o lugar de mestre, e lavou os pés dos discípulos. No Monte das Oliveiras, retirou-se para rezar intensamente ao Pai. Foi retirado de suas súplicas pelo beijo traidor, retirado do convívio dos seus pela prisão violenta. Sua dignidade humana foi retirada no julgamento imparcial e tendencioso. Sua integridade física também foi lhe retirada, assim como suas vestes. Até o chão lhe foi retirado quando foi suspenso na cruz. Sem vida, foi retirado da cruz e do mundo, e colocado em um sepulcro.
E nós, o que retiramos para estar com o Senhor? Nestes dias de retiro, tentamos retirar as sandálias.
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Não as físicas, mas as espirituais e emocionais. Aquelas que, "no vaivém da vida quotidiana" não nos deixam ver e sentir o essencial. Para isso, é preciso voltar-se para dentro, silenciar, analisar a "história de amor de Deus conosco", desde a infância (ou mesmo antes dela, como foi o caso de uma das companheiras de retiro), investigar o nosso "ADN": de que somos feitos? Para quê? É preciso ouvir os outros e contrapor histórias, como a dos personagens que conviveram com Jesus naqueles dias tenebrosos. Retirar-nos da centralidade em nós para entrar na centralidade do Amor de Deus.

Só podemos conhecer-nos realmente neste movimento de relação, de troca, de comunidade com os outros e conosco mesmos. É uma troca que não necessariamente precisa de palavras. Depois de ressuscitado, os discípulos reconheceram Jesus "ao partir do pão". As refeições silenciosas, em volta de uma mesa repleta de pessoas que se querem bem e querem bem a Deus, falaram muito ao coração. Revelaram o Cristo retirado do mundo, que nos cala para, assim, falar conosco.

Embora, pessoalmente, eu tenha iniciado o retiro com a inocente intenção de não pensar em mim e pensar só em Jesus, no seu sofrimento, percebi que não era este o caminho. O Senhor conhece-nos muito bem e, às vezes, nos dá a chance de nos conhecermos também. Dizem que não se pode amar nada que não se conhece, sendo assim, entendi nestes dias que conhecendo-nos a nós próprios, encontraremos a Deus, no seu retiro dentro de nós, pronto para se dar aos outros, por meio de nós. Mas isso demanda tempo; Amar demanda tempo, e o Tríduo no convento foi a experiência de entender isso e dar tempo para minha relação com Deus. Com as palavras do padre dominicano Timothy Radclif, em seu livro As sete últimas palavras: "A perfeição do amor implica tempo livre, em que cada um possa ser receptivo ao outro, com uma atenção quase passiva". O Senhor dá-nos esta atenção; nos retirámos no convento para tentar aprender a dar atenção a Ele também. E continuamos tentando...
Lívia Miranda

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