Através de amigos...

 
 O Dominis Missio foi-me dado a conhecer através de três amigos, que frequentam comigo o grupo coral. Falaram-me entusiasmados de uma viagem de uma semana na qual, em conjunto com outros jovens, se ajudava a população do local visitado. O conceito agradou-me de imediato – não porque fosse tornar-se real na minha vida, mas pela beleza desta humanidade desprendida, que deixava o seu lar e se punha a caminho. O tempo foi passando e, entretanto, abriram as inscrições. O tema “Dominis Missio” voltou a ser abordado no nosso grupo. Precisei de algum tempo para pensar no assunto, expondo-o diante de Deus, da família e de mim mesma. Em retrospectiva, reconheço que pouco sabia sobre o que, de facto, podia esperar daquela semana. Não obstante, senti no meu coração “luz verde” para abraçar a missão que me era proposta e, sem mais demoras, inscrevi-me.
Em contagem decrescente para a 6ª edição do Dominis Missio, foi necessário atender a alguns detalhes práticos – o que levar para a viagem, por exemplo -, mas iniciei também, dentro do possível, uma preparação espiritual, procurando consciencializar-me da responsabilidade inerente ao projecto que integrara. Conforme nos fora advertido, “o turista exige; o missionário agradece”. A cada novo dia, aproximava-se a data da partida rumo a Estremoz e, com esta, intensificava-se o chamamento à abnegação, ao desapego e à paciência.

Na longa viagem de autocarro que nos levaria até ao Alentejo, comecei a pôr em causa se tomara uma decisão acertada e até que ponto eu, com a minha timidez e limitações, estaria à altura do que fora chamada a realizar. E, na verdade, a chegada a Estremoz revelou que seria essencial que cada elemento do grupo desse o seu melhor a fim de que tudo culminasse na glória do Senhor. Mas Deus É fiel e, em conjunto com as dúvidas, trouxe-me tranquilidade e empenho. Enquanto celebrávamos a Eucaristia debaixo da abóbada celeste, catedral sublime do Divino Arquitecto, soube que não estava ali por engano. Independentemente da natureza das motivações que ali me haviam conduzido, o Senhor estava disposto a purificá-las e fazê-las contribuir para meu bem e Seu louvor. Tocou-me o amor com que foi celebrado o Mistério Eucarístico. Retive em particular duas recomendações: primeiro, que saudássemos os nossos irmãos na fé com a ternura que dedicaríamos ao nosso muito amado Jesus; depois, que recebêssemos a Jesus Sacramentado sorrindo, cheios de alegria, pondo de parte semblantes carregados e expressões de enfado. 
Ao longo de uma semana de missão – no meu caso, dedicada aos idosos, em especial no Recolhimento de Nossa Senhora dos Mártires -, temi não ser capaz de espalhar a alegria de Deus. Porém, comecei a entender que nada mais me era exigido do que amar – de forma pura, verdadeira e simples, sem arrebatamentos ou euforia, mas com paz de espírito, tranquila e paciente. Sabia que Nosso Senhor observava o meu esforço. Compreendi que tinha de me render, de deixar de querer controlar todas as circunstâncias. Precisava de criar espaço no meu coração para que o Espírito Santo actuasse em mim.
Sinto que me faltou espírito de entrega, em particular no início da missão. Reconheço que cheguei mesmo a ser ríspida com uma amiga enquanto preparávamos os cânticos para animar a Eucaristia de Sábado. As palavras dessa homilia atingiram-me de modo acutilante: quando surgem divisões no seio de grupos cristãos, as motivações das pessoas não provêm de Cristo, visando somente o próprio protagonismo. Contudo, na Igreja só há lugar para um protagonista, Cristo. Soube de imediato que falhara. Felizmente, pouco tempo depois, foi-me concedida a graça de receber o Sacramento da Reconciliação, no qual me foi aconselhado que deixasse fluir o amor de Deus – amor infinito, sem limites no tempo ou no espaço -, mantendo desimpedido o seu curso sereno pelos caminhos da vida. Em vez de bloquearmos o Amor Supremo, cabe-nos ser seus fiéis transmissores.
Aquando dos momentos de partilha, verifiquei que não precisamos de viver a vida em êxtase, sempre em intensidade máxima, para que aquilo que experienciamos seja verdadeiro. De facto, a santidade não tem de ser “lamechas” ou estereotipada. Consiste, simplesmente, na “normalidade do bem” e em “fazer bem o bem sempre”. Não implica grandes feitos nem actos extraordinários – os incontáveis gestos banais da rotina diária bastam, desde que realizados pelo amor de Deus. É certo que uma semana de missão não poderá, por si só, mudar radicalmente a realidade da população de Estremoz; mas é minha esperança profunda que Deus tenha em consideração o amor que cada missionário colocou na obra que nos confiou, fazendo-a prosperar. A missão não se destina a confortar o coração do missionário, conforme nos foi explicado no decurso de uma celebração da Eucaristia. A cada hora de serviço nos lares, infantários, CERCI ou em qualquer outro lugar de missão, anseio que se tenham tornado nossas as palavras do Salmista: “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao Vosso nome dai glória” (Sl. 115:1). Deste modo, sem requerermos a aclamação dos homens para a prática do bem, estaremos mais perto da humildade evangélica que Jesus nos ensinou.


Para mim, o Dominis Missio não se limitou a uma semana de voluntariado. Tratou-se sim de uma experiência espiritual comunitária e contemplativa. Afinal, mesmo por entre a azáfama das tarefas que nos haviam sido confiadas, houve sempre espaço para Deus, para o silêncio e para o outro. Do Dominis Missio trago uma sensação de entrega, a premência de confiar em Deus e a alegria de partilhar a minha fé. E, sobretudo, experimentei a misericórdia inefável do Senhor, que nunca desistiu de mim, que me concedeu não segundas ou terceiras oportunidades, mas vigésimas e trigésimas; que me conduziu, por estradas inesperadas, até Estremoz, até pessoas tão especiais com quem pude partilhar uma semana que recordarei para sempre.
Para todos os que pretendem abraçar o Dominis Missio e se vão fazer à estrada, sei como é crucial prepararmos bem a nossa bagagem e não nos esquecermos de nada. Por isso, não se esqueçam do mais importante: tragam-se a vós mesmos. Tragam os vossos defeitos e as vossas limitações, mas cheguem de coração preparado para amar. Deixem que Jesus cure as vossas feridas e vos ensine que só Ele É o caminho, a verdade e a vida. Tenho a certeza que, então, os versos de uma das canções mais queridas do nosso Cancioneiro se tornarão reais em vós:
“Tudo isto me é dado
Mesmo sem eu o merecer;
Se não o recebo como dom,
Nunca o saberei agradecer.”

Cláudia Oliveira, Agosto de 2017.

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