ENTRE TANTOS - Meu querido Frei Vassoura

Conta-se que certo dia um irmão perguntou a São Martinho de Porres o que faria se Jesus viesse naquele preciso momento. São Martinho de Porres varria nesse momento o pátio do Convento da Nossa Senhora da Rosário, em Lima (Peru) onde havia há tantos anos tinha começado o seu sonho de uma vida para Deus. Limitou-se a sorrir e a relembrar todo o seu caminho até então. Filho de fidalgo espanhol e de mãe panamenha, Martinho era um mestiço e, assim sendo, teve sempre de viver com superioridade colonizadora branca. Aprendeu o ofício de cirurgião, barbeiro e dentista por ordem do seu pai. Martinho era exímio no que fazia, todos gostavam de a ele se dirigir. Talvez porque de todas as vezes que em jovem passou em frente ao convento e rezava o rosário, vinha fortalecido com o sentimento de que viver o mandamento do amor de Deus era dar-se aos seus irmãos com todo o seu coração e com toda a sua alma. De facto, era assim que sempre foi recordado: pela sua dedicação a todos e cada um. Inspirado por São Domingos de Gusmão, que ouvia falar no convento onde procurava aconselhamento espiritual junto do seu superior dominicano, ousou, simples mestiço, pedir o ingresso na Ordem. Na altura, séc. XVI, o Vaticano recomendava a não admissão de pessoas originárias de terras de missão. Mas Martinho foi aceite como doado, a mais baixa condição na Ordem, sem votos, e foi a maior alegria da vida dele. Vestiria o hábito dominicano, estaria totalmente ao serviço. Posteriormente, a comunidade convidou-o a realizar os votos, a ser frade, e foi com resistência que aceitou. Na sua humildade, sabia que ser doado lhe bastava para cumprir os desígnios que sentia que Deus tinha para si. 


Numa Igreja no Panamá

Aquela pergunta tinha mesmo vindo na altura certa. Estava a varrer o pátio e estava justamente a rezar por todos os doentes que cuidava na enfermaria do convento, estava a rezar pela sua irmã Joana que tanto bem fazia, acolhendo em sua casa aqueles que já lá não tinham lugar. Sorriu ainda mais ao recordar todos aqueles que tinha levado secretamente para o convento, contra as ordens do seu superior, enfrentando-o com respeitosa frontalidade: “Perdoai meu erro e por favor me instrui, porque eu não sabia que o preceito da obediência se sobrepõe ao da caridade.”

Ai! Tantos que com ele se haviam já cruzado! Tantos que já havia medicado e tratado com misericórdia, entregando-os com confiança ao Deus que realmente cura. Tantas vidas que o haviam tocado, que o haviam tornado melhor homem, melhor cristão! Tantos rostos que revia constantemente na sua oração assídua, cheio de gratidão. Perante aquela pergunta, o que faria se o próprio Jesus viesse naquele preciso momento, o seu coração respondeu:



“Continuar a varrer :)”


O irmão deve ter ficado a olhar para ele com uma cara… O próprio Jesus viria e ele continuaria a varrer?!

Acredito que o próprio Martinho tenha ficado meio abananado com a sua resposta. Sabem aquelas coisas que se diz da boca para fora, por inspiração divina, mas que só se entende o verdadeiro
significado quando as repetimos interiormente? Que ficam a ressoar cá dentro e, a cada repetição, só dá para pensar: “É mesmo isto… é mesmo isto!!”?
Continuar a varrer :) Ali estava o fundamento da sua vida tão bem expresso: ser fiel nas coisas pequenas, servir no que aparentemente é insignificante. Estava ali expressa a sua vocação. E é isso que S. Martinho me inspira hoje: A fazer-me presente naquilo que é rotineiro, até quase banal e esperar dali grandes encontros.
Confesso que, nas vidas agitadas que levamos, não é fácil. Acabo focada nos meus trabalhos, nas minhas necessidades, nas minhas prioridades e esqueço de olhar em volta, ver onde sou precisa nestes pequenos afazeres. Ter esta disponibilidade, sobretudo esta iniciativa de Martinho é um esforço que tenho que fazer que gostaria que me saísse de uma forma cada vez mais espontânea e natural. Achamos que fazer o nosso voluntariado é somente estar longe, com os outros e desvalorizamos o estar perto, com os nossos. São os 5 minutos que até arrumamos a loiça, que até saímos ao frio para ir levar o lixo ao contentor, que mandamos a mensagem com um “gosto muito de ti” a alguém que já não vimos há muito tempo, que fazemos um bolo para o lanche, que deixamos a série a meio para ir ajudar a descarregar o carro que chega cheio de compras. Que olhamos em volta e reparamos nas pessoas, nas suas expressões e ficarmos com elas para conversar, para elogiar, para confortar, para aconselhar. Que fazemos a nossa parte, não sobrecarregamos ninguém, até surpresas podemos fazer




Neste Festival das Sopas, estivemos todos com as vassouras na mão, na simplicidade de lavar as loiças, aquecer as sopas, servir os pratos e as bebidas, tirar fotografias, distribuir senhas, andar de uma lado para o outro para garantir que qualquer problema que viesse a surgir em 3 tempos estaria solucionado. O VTS Aveiro viveu a missão, com todos os presentes que vieram dar o seu contributo. E grata sou por isso, por serem todos os voluntários exemplo para mim!




Que quando o próprio Jesus voltar nos possa ver genuinamente felizes neste amar o nosso próximo ao estilo de São Martinho de Porres. Que nos possa ver verdadeiros missionários por onde quer que passemos e nos possa animar, orgulhoso, dizendo-nos “Continuai a varrer!”



Ana Emanuel Nunes

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