ENTRE TANTOS - Tudo ali a dois passos

Trabalho na Sertã há quase dois meses e ainda não tinha ido além do caminho que me conduz de Coimbra à escola. Há uns tempos, já tinha deixado uma aluna escandalizada com o facto de não conhecer o maranho, prato gastronómico típico de lá e, assim sendo, tão pouco se esforçou por me dizer bons restaurantes para o provar uma vez que percebeu logo que as minhas referências geográficas da vila eram nulas.

Bem, o que se passou na passada sexta que motivou a escrita da crónica desta semana: ando aflita do nariz, precisava de ir à farmácia comprar qualquer coisa, nem que fosse uma água do mar apenas. Perguntei indicações a uma colega e ela disse-me: “ah, é perto, 100 metros da escola, sempre em frente na esquina”. Tenho um furo de 1h30 no meu horário que acabo invariavelmente por ocupar a trabalhar ou estudar clarinete. Mas o meu nariz estava-me a obrigar a sair da escola e eu tive de ceder. Naquele dia tive mesmo de abdicar desse tempinho de trabalho e foi assim que, pela primeira vez em quase dois meses, me meti a caminhar pela Sertã.

A caminho da farmácia, ainda encontrei uma sapataria com os sapatos perfeitos que andava à procura há que tempos pelas sapatarias da cidade. Fui até à farmácia, não sem antes ter recebido alguns olhares curiosos que questionavam quem era aquela cara nova, encontrei o que precisava, agradeci. Estava despachada. Mas o dia estava demasiado apetecível, com aquele sol de inverno de fim de tarde, com aquele frio que que sabe bem… o trabalho definitivamente não estava a chamar por mim e então, sem saber bem por onde ir, fui além da farmácia à aventura. 

Foi uma experiência incrível. Normalmente, quando vou passear, gosto de me informar com tempo do que visitar, do que de mais interessante tem o local para me mostrar. E a verdade é que pela primeira vez, fui sem guias, sem mapas, nem sequer me preocupei demasiado em colocar gps no telemóvel. Simplesmente fui, sem rumo, atraída pelos locais que me cativavam mais a atenção.

Descobri que a Sertã tem um rio (que, de regresso à escola para a última aula, a minha aluna fez questão de frisar que o rio era afinal uma ribeira), descobri sobre essa ribeira uma ponte de pedra muito antiga, muito caricata. Descobri que a Sertã tem um castelo (!!), pequenino, é certo, mas com uma vista bonita para a vila e para a serra e com uma capela e uma torre encantadoras. Descobri uma feira do livro, lojas à moda antiga e casas muito charmosas. Pelo caminho, vi os senhores a montar as iluminações de Natal, vi pessoas a passear os cães, vi crianças e jovens de mochilas às costas prontos para um merecido fim-de-semana.  Sobretudo, redescobri o cheiro da Natureza, as cores do pôr-do-sol, a brisa do vento no rosto que me fizeram sentir em paz. 

Todo aquele encanto esteve ali a dois passos, como costumam dizer. Sempre ali, à espera que eu me atrevesse a sair da minha salinha na escola e dos meus afazeres. Inevitavelmente, pensei em todas as pessoas que estão ali tão perto de nós e com quem nunca tivemos uma conversa a sério, aquelas pessoas que até podemos saber ou não o nome mas que a nossa timidez e o nosso autocentrismo nunca permitiram que fôssemos além do coloquial “Olá, como está?”

A minha mãe lembra-se ainda de eu ser a menina que dava um bom dia com um sorriso a todos os conhecidos e desconhecidos com quem me cruzava na rua. Eram bons-dias e sorrisos a torto e a direito, admitindo que em certa parte até poderia deixar a minha pobre mãe constrangida. Não era um mau hábito, não!

Agora que sou uma menina adulta, confesso que sinto um pouco o silêncio constrangedor com os que passam por mim nas ruas, nos corredores, nas lojas se não os cumprimentar. Esse bom dia já desbloqueou conversas com pessoas que não conhecia de parte alguma no jardim, já desbloqueou brincadeiras com crianças na procissão das velas que depois se tornam amigas com quem se troca mensagens, já desbloqueou piadas com a senhora da mercearia.

A sensação que fica é a mesma: de encanto perante aquilo que estava ali a dois passos de nós, à espera de ser descoberto. Felizes são os que arriscam estes encontros!

Sonhamos com viagens para o outro lado do mundo, em sítios paradisíacos, com a máquina sempre em riste para tirar a foto mais espetacular. Não desperdicemos os grandes destinos, os grandes locais e as grandes pessoas, aqui a dois passos de nós. Talvez seja a viagem mais arriscada e encantadora da nossa vida. 

Ana Emanuel Nunes


PS: Qualquer dia vou provar os famosos maranhos, claro está!

PS2: Sabiam que a lenda do nome da Sertã se deve à Celinda que expulsou os romanos com uma sertã (frigideira) de ovos a ferver? Mais uma corajosa para se juntar à padeira de Aljubarrota!

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