ENTRE TANTOS - 'Bora beber uma cerveja todos juntos?



A Igreja celebra esta semana a semana de oração pela unidade dos cristãos. Os materiais deste ano foram preparados pelas igrejas cristãs de Malta e do Gozo, tendo como lema “Eles nos mostraram uma benevolência fora do comum”.

De facto, foi com essa benevolência que S. Paulo e os romanos que o mantinham prisioneiro foram recebidos naquela ilha após o seu naufrágio nas águas turbulentas do Mar Mediterrâneo… bem, onde é que já ouvimos esta história?

Infelizmente, o drama dos migrantes e refugiados do Mar Mediterrâneo continua apesar da nossa vida já não ser tão sobressaltada com as notícias em todos os canais dos barcos, em condições terríveis, que afundam sem que cheguem aos seus destinos e cumpram as promessas feitas a tantos desesperados em busca de paz. E quantos mais muros se erguem por aí, bem mais intransponíveis que o Mar Mediterrâneo…

É uma realidade maior do que nós e o sentimento de impotência é tremendo. Mas não podemos ficar indiferentes e sobretudo, moralismos à parte, temos o dever de garantir que estas divisões não aconteçam no nosso país, nas nossas cidades e vilas, nas nossas famílias e grupos de amigos, em nós. Pela nossa paz interior e a paz nas nossas comunidades, já poderemos fazer algo, não? Como? Com benevolência fora de comum.

Este povo de Malta recebeu a todos, sem distinção, sem saberem quem eram, dando-lhes calor, alimento e abrigo. Reuniram-nos a todos em volta de uma fogueira, colocando todos os envolvidos ao mesmo nível, sem divisões de estatuto social. Deram-lhes tudo quanto precisaram, acolhendo o desconhecido sem medos e sem reservas. E o que receberam na sua generosidade foi infinitamente maior: o dom da fé em Cristo.

Benevolência fora do comum remete-me para algo intenso nunca experimentado. Uma mãe e um pai dá a vida pelo seu filho, é-lhe natural, um casal, naturalmente, faz de tudo para garantir que o outro é feliz. Com os próximos, enchemo-los de benevolência, apesar da tendência de deixarmos “abrir fogo” sobre as grandes pessoas da nossa vida por problemas tão pequenos. Com os outros, que nem sabemos o nome, mas que até nos cruzamos por vezes diariamente, nem sempre temos a benevolência necessária para dizer somente um “bom dia!”. Porque não procurar fazer deles alguém próximo?

Mas, por outro lado, benevolência fora do comum leva-me também aquela benevolência que me desarma de tão surpreendente e inesperada: como a senhora que não me conhecia de parte alguma e me pagou o bilhete de comboio quando, já lá dentro, me apercebi que me tinha esquecido da carteira em casa ou como aquele senhor que, depois de trocarmos dois dedos de conversa só porque calhou à porta da escola onde trabalhava, me ofereceu boleia num dia de chuva e se tornou meu amigo no facebook.

Abusemos pois desta benevolência porque ela, sim, conduz à unidade. Unidade entre cristãos e não cristãos - de outras religiões, agnósticos ou ateus - porque todos transportam no seu coração uma semente de amor pronta a desabrochar todos os dias; Unidade entre católicos e cristãos de outras igrejas porque é o mesmo Cristo que nos convida a olharmos para o que temos em comum – Ele próprio, nosso Mestre e Irmão; Unidade entre católicos porque, apesar de tantas visões, por vezes divergentes, a benevolência faz com que continuemos a querer caminhar juntos.

Dizia-me no outro dia uma amiga, não crente, que sentia uma certa inveja de nós crentes pois reconhecia que viver na esperança de se saber amado devia transformar a vida em algo de mais bonito, otimista e reconfortante. A mesma inveja que sentia num dia de verão, daqueles mesmo quentes, quando via alguém saciar a sede com uma cerveja bem fresquinha. E ali ficava ela, que não gostava de beber cerveja, a beber a sua limonada, a saciar-se também mas sabia que não era a mesma coisa, sentia que se saciava mas não com o mesmo grau de satisfação. Podia beber o que quisesse mas nada era aquela bebida gelada, que deixa espuma nos bigodes e que nos faz exclamar “Ah…!”

Se a fé é dom, trabalhemos nele. Se a fé é um dom que nos leva a olhar com esperança para o mundo e para as pessoas, então resta-nos procurar estas ligações entre todos e colori-las com amor. ‘Bora beber uma cerveja todos juntos?
                                                                                                                                  Ana Emanuel Nunes


Música da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos

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