Duas fugitivas
Hoje está em Castro Daire e quem
a vê de sorriso fácil e calmo não imagina a ousadia que realizou um dia na
juventude. A história é contada a 2 vozes, pois foram companheiras de aventura.
Passou-se em Soutosa, freguesia de Peva,
Moimenta da Beira, Distrito de Viseu e Diocese de Lamego.
Chama-se Silvina Cardoso Botelho,
Nasceu numa família numerosa, 10 irmãos, agora já só 9, pois um partiu nestes
tempos conturbados. Regressa à juventude, entre a agitação de uma família
numerosa, ela foi recusando os namoricos. Não conhecia freiras, nunca nenhuma
lá tinha ido, o Sr. Padre evitava esses assuntos complicados, pois isso não era
bem visto pelo povo, rapariga que fugia a esconder-se no convento tinha de ter
grande defeito, fama que nenhuma família desejava. Mas em determinada altura
começou a perceber em si um desejo de Deus, um gosto pela Igreja. Apareceram lá
uns Missionários Combonianos, a pregarem na Quaresma. Começaram a vir todos os
anos e como gostava de ouvi-los, alguém lhes pediu para falar de vocação e
fiquei a pensar nisso. Uma vez, nem sei bem porquê, fui à Igreja de Peva e ía
uma moça, mais nova que eu, a irmã de umas amigas, a Donzília, hoje a Ir.
Donzília.
Nessa viagem descobrimos que
ambas desejávamos Deus em vez de casar… Mas que fazer? Não conhecíamos Irmãs,
não podíamos falar ao nosso pároco, que avisaria nossos pais, isso já tinha
acontecido com outra moça. A Donzília lembrou-se de uma senhora, sua parente,
que tinha uma filha freira, mas não queríamos ir procurá-la às claras, ou
alguém podia contar aos nossos pais. Finalmente lá conversámos com a dita
senhora, ela deve ter notado que
tínhamos vocação, pois decidiu-se a ajudar-nos! Perguntou-nos para que
Congregação queríamos ir. Nós não conhecíamos nada, apenas sabíamos que não
queríamos clausura.
Mostrou-nos uma foto da Ir. São
Gonçalo, que era do Picão e Dominicana, que ela conhecia das Termas de Monte Real.
Pediu-lhe uma foto para vermos; O hábito branco, o véu negro, um rosário,
imediatamente ambas escolhemos aquela Congregação. Depois com a sua ajuda
começamos a ser orientadas por um sacerdote, que era Pároco em Vila Nova de
Paiva, Padre Joaquim Rodrigues da Cunha que nos foi ajudando. Iniciámos a
correspondência com o Ramalhão. Claro que as cartas não podiam ir diretamente
para a nossa morada, então era essa
senhora, que recebia as cartas, vinha um dos filhos à nossa Igreja e
disfarçadamente entregava ou levava a correspondência. Conseguimos fazê-lo
durante um ano, ninguém na aldeia soube… Já em casa às vezes desconfiavam! Que
levas ai? Que estavas a fazer?… Uma vez, à noitinha, eu vinha do trabalho com
uma das minhas Irmãs e iam os pais da Donzília. Ele disse-me: “Oh Silvina tu és
boa rapariga, andas com as minhas pequenas… Mas a esposa saltou-lhe,
demonstrando que conhecia as nossas ideias: “Mal tu sabes que ela quer fugir
com as tuas filhas.” Passou-se, nada respondi. Sim, porque a irmã mais nova da
Donzília também participava em muitas coisas connosco e partilhava este
objetivo, só que ela queria ir para a clausura.
Começamos a combinar as coisas,
mas entretanto as Irmãs lembraram que tínhamos de ser maiores de idade, mais de
21 anos, eu podia ir, mas a Donzília, sem licença dos pais ficava um ano à
espera. Ela incentivou-me a ir, que se juntava a mim no ano seguinte. Mas se
Deus nos juntou nesta caminhada, eu quis esperar por ela. No dia combinado a
Donzília tinha todos fora de casa e veio ter à minha, a minha irmã, dizia: “vão
depressa, que vem lá mãe”, coitadinha, ela nem podia imaginar que naquele dia e
nos próximos eu não voltaria para casa. Queríamos desaparecer às 3 da tarde,
hora em que passava a camioneta para que pensassem que tínhamos ido para Viseu.
Fugimos para os Pinhais, onde nos escondemos até às 2:00 da manhã, o nervoso
levava-me a falar freneticamente enquanto a Donzília parecia engolir em seco.
Em casa de cada uma ficou uma carta, nunca tínhamos estado fora de casa, as
saudades e o amor à família pareciam crescer no peito. O marido da nossa
ajudante foi-nos buscar então pelas 2:00 e levou-nos para sua casa, entrámos
pelas traseiras, ali ficámos 8 dias, para que as coisas acalmassem, parece que
a casa foi vigiada. Quando questionaram o Padre da aldeia, com a verdade disse
desconhecer, nenhum dos nossos irmãos conhecia o plano e como eramos maiores de
idade a guarda nada podia fazer.
Esta família tudo fez por nós,
veio um táxi de Moimenta da Beira, que nos levou a Coimbra, a senhora levou-nos
ao Carmelo onde estava a filha, depois de autocarro foi connosco até Fátima,
onde permanecemos uns dias. Em seguida fomos levadas para o Restelo, onde
fizemos o 1º ciclo em 3 anos. Mas foi difícil para ambas, as saudades da
aldeia, da família, os costumes eram tão diferentes, as meninas da cidade no
colégio… Um dia tivemos uma surpresa, o bom padre que nos orientou veio ver-nos
a Lisboa, saber se estávamos bem! Foi uma alegria.
Fomos para o Ramalhão fazer o noviciado e professei a 2 jan.
de 1971, a Donzília ficou à espera por causa de um exame. Fui para Coimbra onde
em agosto de 1976, fiz os votos perpétuos. Estive na comunidade de Coimbra, passei
11 anos no Restelo, estive por 4 vezes
em Avanca, a última das quais durou 22 anos.
Aos jovens, digo que confiem em Deus, que ele nunca falta.
Dominismissio V - Castro Daire |
Maravilhoso este testemunho. Que Deus a proteja continu.a ser esse testemunho de felicidade junto de quem estiver junto de si. Parabens.
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