O olhar, o amor, o regresso e o refugiado
O sair de casa por si só é já uma aventura.
Saímos sem saber bem o porquê. Saímos sem saber ao certo o que nos motiva. Saímos sem saber o que levar. Saímos simplesmente porque nos apetece. Mas uma coisa nós levamos: o nosso olhar, e esse, vale o que vale e vale muito.
O olhar que por vezes nos engana e nos faz chorar, mas aquele que nos permite vivenciar e amar. Um peregrino, com a capacidade de ver, se estiver disponível a "ver" vê tudo, nada lhe passa ao lado. Vê o bom e o mau, vê a alegria e vê a tristeza, vê o amor e muito amor Nos albergues, a partilha de histórias com aqueles que falam a mesma língua, ver a atitude e os gestos que os peregrinos têm uns para com os outros.... dentro de nós fica um misto de emoções. Se estamos com bolhas e com alguma dificuldade em rebentá-las (como eu), eis que aparece uma Helena (poderia ser uma rapariga qualquer com outro nome, mas esta ficou-me no coração!) e se oferece para nos ajudar. Como sou frágil e há coisas que ainda não consigo fazer sozinha, confio e "Obrigada Helena pela ajuda. Eu tentei fazer sozinha, mas...." E depois partilhamos a nossa história, o porquê de estarmos a fazer o caminho. Ainda hoje não sei bem o que me motivou, ou se sei.... desculpem queridos leitores, mas não quero contar Voltando à Helena, estava a fazer o caminho de bicicleta com o Pai. Segundo ela, era uma promessa que tinham feito em ir os dois juntos a Santiago. Pelo que percebi, o Pai não é daquelas pessoas que sai de casa para fazer "exercício físico", então ir com a filha a Santiago de Compostela de bicicleta..... só por amor é que o meu pai iria comigo, e teria de ser muito amor!
No beliche ao lado, uma mãe e a filha também a fazerem o Caminho. Eram alemãs. Até aqui nada de novo, pois até a mim e à Freirinha nos poderiam considerar filha e mãe. A grande novidade aqui é que muito provavelmente a menina no beliche ao lado (que deveria ter mais ou menos a minha idade - 23) estava numa cadeira de rodas. A minha fragilidade é tanta, que....até poderia ser o meu sonho querer fazer os Caminhos de Santiago, mas se andasse numa cadeira de rodas, não! Pelo que percebi do que estava escrito nas T-shirts da mãe e filha, o que estavam a fazer era mesmo para realizar um sonho. A cadeira de rodas tinha uma adaptação: a cadeira ia à frente e depois estava ligada à parte traseira da bicicleta. Eu não sei quanto tempo a menina tem de vida, mas..... só por amor e muito amor que alguém tem uma atitude destas. É o chamado amor de mãe, que vou percebendo.
Pronto queridos leitores, podem limpar as lagrimas de emoção com estes tipos diferentes de amor
Chegou a hora de regressar, e a ligação de comboios Vigo - Valença está em greve. Lindo serviço, sem dúvida. Mas vamos por partes.
De Santiago de Compostela até Vigo fomos de expresso, depois, de Vigo para o Porto tínhamos duas soluções: ou fazíamos Vigo - Valença a pé ou tentávamos um outro expresso. Ok, fazer a pé ficou fora de questão. Tentamos um expresso. Foi horrível, não tínhamos adquirido os bilhestes de forma online; na central de camionagem não nos sabiam dar informações; o motorista ora falava espanhol ora falava "tuguenhol"; no dia seguinte (segunda-feira) para a Freirinha era mais tranquilo, mas eu tinha de entrar no trabalho às 9.30h; as pessoas atropelavam-se para entrar no autocarro, e quando se aperceberam que os lugares estavam a ficar completos, as mãos com o dinheiro a abanar agitaram-se ainda mais e quase a meter o dinheiro nas mãos do motorista como forma de garantirem lugar. Nessa altura senti-me uma plena refugiada. Lembrei-me de que não tinha dinheiro suficiente para a viagem, logo, não poderia embarcar (também não vinha sem a freira, pois fomos juntas logo viríamos juntas). Dei por mim a quase urinar pelos olhos, pois na situação que eu estava, estariam (estão) milhares de pessoas diariamente a tentar um lugar numa embarcação para virem para a Europa à procura de melhores condições de vida.....a fugirem duma guerra. E como eu, que não tinha dinheiro na mão, com certeza muitos acabam por não embarcar por falta do mesmo. Tive sorte, tivemos sorte. Os últimos dois lugares ocupados no autocarro foram pela freirinha e por mim. Chamem-lhe sorte, chamem-lhe milagre, chamem-lhe o que quiserem, mas conseguimos regressar a Portugal; por misericórdia a freirinha na hora pagou-me o bilhete se não teria de ir levantar e só num próximo serviço de expresso (e se houvesse).
Já dentro do expresso para o Porto, eh pá, chorei, não por termos conseguido os lugares (já estava a pensar em ligar ao meu diretor e pedir-lhe o máximo de compreensão e que só me iria apresentar ao serviço da parte da tarde), mas porque tive a sorte/milagre de embarcar e da viagem ter sido segura. Quantos embarcam e ficam pelo caminho? Quantos querem embarcar e por falta de dinheiro não conseguem? Quantos Senhor, quantos?
Eu odeio confusões, pois começo a stressar e a pensar que alguém se pode fazer explodir; mas durante as várias tentativas de embarque das pessoas, do passar à frente dos outros, dos encontrões e empurrões, eu não tive medo nem stressei, senti-me triste e por várias vezes me emocionei, pois senti-me completamente na pele de um refugiado.
Sim, rezo e continuarei a rezar por aqueles que só querem uma vida melhor.
Beijinho e Bom Caminho!
#prayforrefugee #elcaminoeslameta
NF
Pronto queridos leitores, podem limpar as lagrimas de emoção com estes tipos diferentes de amor
Chegou a hora de regressar, e a ligação de comboios Vigo - Valença está em greve. Lindo serviço, sem dúvida. Mas vamos por partes.
De Santiago de Compostela até Vigo fomos de expresso, depois, de Vigo para o Porto tínhamos duas soluções: ou fazíamos Vigo - Valença a pé ou tentávamos um outro expresso. Ok, fazer a pé ficou fora de questão. Tentamos um expresso. Foi horrível, não tínhamos adquirido os bilhestes de forma online; na central de camionagem não nos sabiam dar informações; o motorista ora falava espanhol ora falava "tuguenhol"; no dia seguinte (segunda-feira) para a Freirinha era mais tranquilo, mas eu tinha de entrar no trabalho às 9.30h; as pessoas atropelavam-se para entrar no autocarro, e quando se aperceberam que os lugares estavam a ficar completos, as mãos com o dinheiro a abanar agitaram-se ainda mais e quase a meter o dinheiro nas mãos do motorista como forma de garantirem lugar. Nessa altura senti-me uma plena refugiada. Lembrei-me de que não tinha dinheiro suficiente para a viagem, logo, não poderia embarcar (também não vinha sem a freira, pois fomos juntas logo viríamos juntas). Dei por mim a quase urinar pelos olhos, pois na situação que eu estava, estariam (estão) milhares de pessoas diariamente a tentar um lugar numa embarcação para virem para a Europa à procura de melhores condições de vida.....a fugirem duma guerra. E como eu, que não tinha dinheiro na mão, com certeza muitos acabam por não embarcar por falta do mesmo. Tive sorte, tivemos sorte. Os últimos dois lugares ocupados no autocarro foram pela freirinha e por mim. Chamem-lhe sorte, chamem-lhe milagre, chamem-lhe o que quiserem, mas conseguimos regressar a Portugal; por misericórdia a freirinha na hora pagou-me o bilhete se não teria de ir levantar e só num próximo serviço de expresso (e se houvesse).
Já dentro do expresso para o Porto, eh pá, chorei, não por termos conseguido os lugares (já estava a pensar em ligar ao meu diretor e pedir-lhe o máximo de compreensão e que só me iria apresentar ao serviço da parte da tarde), mas porque tive a sorte/milagre de embarcar e da viagem ter sido segura. Quantos embarcam e ficam pelo caminho? Quantos querem embarcar e por falta de dinheiro não conseguem? Quantos Senhor, quantos?
Eu odeio confusões, pois começo a stressar e a pensar que alguém se pode fazer explodir; mas durante as várias tentativas de embarque das pessoas, do passar à frente dos outros, dos encontrões e empurrões, eu não tive medo nem stressei, senti-me triste e por várias vezes me emocionei, pois senti-me completamente na pele de um refugiado.
Sim, rezo e continuarei a rezar por aqueles que só querem uma vida melhor.
Beijinho e Bom Caminho!
#prayforrefugee #elcaminoeslameta
NF
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