ENTRE TANTOS - Viver infinitas vezes, amar uma



Ultimamente o tempo tem sido escasso para ver filmes. Ora acabo por me deitar e pensar “Eia, e ver um filme?” e passado dez minutos de ele estar a correr já adormeci, ora quando finalmente penso que tenho tempo aparece algo a meio para fazer… bem, a verdade é que me desenrasco. Filmes de mais ou menos 2 horas são vistos em 4 dias se for preciso, mas são vistos. E o último que vi foi justamente nessas condições e foi incrível. Porque a história me prendeu de tal maneira que eu não queria era que ela acabasse.

Normalmente, vou direta aos filmes que quero ver: ou porque me aparece no feed do Facebook o trailer que me cativa, alguém me recomendou e/ou aparecem os atores que eu gosto. Desta vez, quando finalmente parei para ver um filme, não tinha nenhum título em mente. Meti-me a ver os filmes disponíveis na Netflix e fui surpreendida com este título “Viver duas vezes, amar uma”. Fez-me parar, voltar a ler e a pensar “Desta não estava à espera. Escolhido.”

A história fala de um professor de Matemática que descobre que tem Alzheimer e que vai no encalço de descobrir o que é feito do seu primeiro amor, a sua amada Margarita, que conhecera na sua juventude. E a sua doença e esse seu propósito acaba por o unir à sua família, de quem se isolava, de uma forma arrebatadora e bem divertida. Vejam o filme, please!




Mas é no título que me vou deter, nesse título ousado e interpelante, que põe bem claro aquilo que experimento também na minha vida.

Acredito nas segundas, terceiras e infinitas oportunidades porque acredito neste Amor Único que no-las concede. Cada vez que me dirijo ao sacramento da reconciliação ganho, pois, uma nova vida, uma vida que se liberta do que foi medo, erro, prisão e me lança para a frente. Nada está irremediavelmente perdido pois este Amor Único converte tudo em novas oportunidades para crescer e para ser feliz.

Também acredito que a vida deve ser mais do que uma sucessão de acontecimentos, de rotinas que pouco nos dizem e que não nos invadem de sentido. Podemos aspirar à mudança, ainda que isso represente ultrapassar uma crise. Nada está irremediavelmente perdido pois este Amor Único, que tem de ser o nosso fundamento, inspirará todas as nossas decisões.

Numa dessas vezes em que me ajoelhei com humildade diante do Amor único, lembro-me que, muito espontaneamente, disse que me sentia desiludida porque não me reconhecia nas atitudes menos boa pelas quais me encontrava ali. Essa expressão ficou marcada em mim desde então pois sabiamente o sacerdote fez questão de as frisar.

Será que vale a pena viver uma vida, no que desgastante isso tem, se não nos reconhecermos?

Reconhecer-me implica olhar para dentro de mim e voltar a conhecer-me. Deter-me em que cada pormenor que me constitui, os gostos que permaneceram ou mudaram, os talentos que desenvolvi ou que negligenciei, as experiências novas que vivi ou que deixei por viver, as pessoas que se afastaram/de que me afastei ou que se aproximaram/de quem me aproximei, descobrindo os seus “para quê(s)” em vez dos “porquê(s)”.

Reconhecer-me implica olhar-me de dentro para fora e deter-me em cada pormenor que me constitui, percebendo se tenho sido fiel ao propósito maior que carrego: ser filha deste Amor. Reconhecer-me implica reconhecer-me o próprio Amor – para mim e para todos. Implica amar uma vez, porque todo o amor que posso dar brota deste Amor Único. Implica ser amada uma vez, porque todo o amor que recebo brota dele também.

Atrevo-me então a reformular o título só para deixar tudo bem explícito:

  • Viver infinitas vezes para que não tenhamos medo de fechar ciclos e abrir outros, vivendo a aventura de perseguir a nossa realização definitiva em que nos sabemos pertencer.

  • Amar uma vez para que amar seja um contínuo - algo ininterrupto, um ciclo nunca fechado - até quando não nos reconhecermos. Ultrapassaremos esses momentos para que este Amor Único possa perpetuar e não encontrar um fim em nós, este Amar Único que queremos continuar a querer ser. 





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