ENTRE TANTOS - Sem palavras
Honestamente, escrever esta crónica foi mais uma daquelas vezes que andei
desesperada durante a semana à procura de um tema. Normalmente, tento planear
mas a minha cabeça não vê nada até, no último momento, surgir a inspiração
divina que tanto precisava. E aí sim, embrenhar-me completamente até conseguir
o texto!
A minha necessidade de ter palavras deixa-me sem palavras, literalmente.
Tal como quando apanhamos boleia com alguém que não conhecemos muito bem e
vamos ali os dois, um silêncio constrangedor gelado que precisa de ser
quebrado… E pronto, surgiu a ideia: falar do que me deixa sem
palavras. “Sem palavras” é um tema sobre o qual dá para correr muita tinta. Mas
vou tentar ser breve pois acredito que as palavras a mais também acabam por distrair
do que é essencial.
Apercebi-me que o que me deixa sem palavras é aquilo que sinto com muita intensidade, quando sinto os pólos negativos e positivos da vida no seu
extremo. Fico sem palavras quando olho a injustiça e a miséria do outro, quando
vejo a violência e a hipocrisia e nada é suficientemente poderoso para eu
expressar a impotência do que sinto. Quando sei da maldade, na sua forma mais
intencional e egoísta, nas ações dos outros e não há palavras para reagir, nem
sequer os mais feios palavrões. Também fico sem palavras quando sou apanhada em
flagrante a não ser a melhor versão de mim própria e não há palavras possíveis
para me desculpar. Mas depois fico sem palavras, e esta é sem dúvida a minha
parte preferida, quando sou surpreendida, mais, quando continuo sucessivamente
a ser surpreendida por algo ou por alguém que já tanto me surpreendeu. Fico
rendida, extasiada, apaixonada, deliciada, maravilhada… poderia continuar mas
nada consegue transmitir em pleno. Não há palavras suficientes, fico sem
palavras.
Aconteceu-me hoje de manhã quando abri o Facebook e tinha mais um vídeo do
Nicolas Baldeyrou, um dos melhores clarinetistas que com a sua técnica
irrepreensível, a sua criatividade e o seu humor nos oferece uma prenda
magnífica sempre que publica nas suas redes mais uma das suas. Aconteceu-me nas
últimas três noite quando eu e os meus amigos do #desafi_art partilhamos as
fotos do nosso projeto fotográfico de encontrar categorias nas divisões mais
inusitadas da casa e me deslumbrei perante a diversidade, assertividade e
profundidade (cá estou eu sempre à procura da melhor palavra que não vem) das
suas visões. Aconteceu-me há umas três semanas quando terminei de ver o filme
“All the bright places”, a chorar desalmadamente, com a minha mãe preocupada
sem saber o que se passava, a querer respostas para o motivo de tal estado e eu
só conseguia responder “Deixa-me estar, deixa-me estar”. E há duas, quando
acabei de ler o livro na qual se baseou o filme, porque as críticas diziam que
o livro ainda tinha mais magia (como se fosse possível) e eu realmente descobri
que sim, sentada ao pé da salamandra dos aposentos do meu irmão, a chorar mais
uma vez desalmadamente com ele a dizer que eu era maluca por estar a chorar a
ler um livro. Aconteceu-me o mês passado, com a audição dos meus alunos que,
com pouco tempo de preparação (a professora quis meter um bocadinho de
pressão!), conseguiram preparar peças em conjunto numa audição cheia de
qualidade, onde cada um se superou, tocando com intenção e com gosto.
E a verdade é que, por mais que espere essas surpresas, consigo ainda
surpreender-me. Sei que cada pôr-do-sol é único e aparece sempre mais um, todo
colorido, todo caloroso, todo sublime, que destrona o 1º lugar do pódio “O
pôr-do-sol mais bonito que mais me deixou sem palavras”. Sei que a Natureza é
perfeita, sei que a mente humana é poderosa mas há sempre uma invenção que
aparece, tão genial, tão lógica, tão útil que mais uma vez me deixa a pensar
“como que somos capazes de tanto?”, como conseguimos contra todos os obstáculos
físicos mantermo-nos juntos na adversidade, utilizando todos estes meios à
disposição, dando esperança uns aos outros nestes gestos simples e puros… “como
é que somos capazes de tanto?”. Sei que as ligações de amor, romântico,
familiar, fraterno são fortes e que há momentos épicos que sempre ficarão
gravados no nosso coração, mas continuo a surpreender-me pela felicidade, pela
intimidade, pela cumplicidade, pela sinceridade, pela genuinidade do que somos
e do que vivemos. E fico sem palavras, com o coração a dizer “ohhhhh…”, a
sentir-me eternamente com este smile “😌”, que o Facebook descreve como
positiva e relaxada, mas eu vejo mais como uma palavra que não existe ainda no meu
vocabulário que descreva na perfeição o quão grata, comovida e tocada me sinto.
E és Tu, que estás aqui bem próximo de nós, que consegues tudo isto. De nos
quereres sempre tocar e surpreender, assim estejamos nós abertos a deixarmos-te
entrar dentro de nós ou, como o Papa Francisco nos disse também, talvez seja
antes deixarmos-te sair sem barreiras e deixarmos-te irradiar em toda a parte.
E deixas-nos sem palavras perante o dom da vida, essa vida mergulhada nesta
realidade indizível, neste dom de estar realmente vivo que procuramos expressar
de tantas maneiras.
Sim, uma imagem vale mais do que mil palavras. Quantas vezes queremos
contar o que nos deu tanta, tanta vontade de rir e dizemos “tinhas que lá ter
estado para perceberes”. E sim, um gesto vale mais do que mil palavras. Somos
até capazes de pegar essa pessoa pela mão, de lhe mostrar o motivo in
loco, está ali à frente dos seus olhos e mesmo assim ela continua sem
entender. Até fazemos o teatro, “olha, foi assim, eu estava aqui, fiz isto e
depois aconteceu aquilo” e quantas vezes ouvimos “Não tem assim tanta piada…”.
(a minha família é perita nisso, em me apontar logo o dedo quando me estou a
rir à grande, muito mais frontais: “Ana, pára lá com isso, isso não tem piada
nenhuma, estás armada em parva ou quê?!”).
Gosto daquelas palavras únicas, intraduzíveis, (sim, como “saudade”) porque
tentam transmitir algo realmente único. Poderíamos utilizar todas as palavras
de todas as línguas e dialectos deste planeta e do outro mas haveria sempre algo
que ficaria só para nós, sem conseguirmos partilhar. Como se diz: “Tantas
palavras para dizer e nenhuma maneira de as dizer”. Por isso também gosto tanto
da arte, e da música em especial, que invade este espaço onde as palavras não conseguem ter lugar e nos
conecta através dele.
Que não paremos de tentar utilizar palavras, sem medo porém de não o
conseguir. Será sinal de que sentimos de facto. Sim, nem sempre somos capazes
de dar motivos da nossa esperança que és Tu, Senhor, porque as palavras falham
mas que tenhamos a ousadia de responder “Porque Ele me deixa sem palavras”. Que
isso seja suficiente e que possamos dar testemunho real, com gestos concretos,
na certeza porém de que “as pessoas irão esquecer o que disseste, as pessoas
irão esquecer o que fizeste mas nunca se irão esquecer do que as fizeste
sentir”. (Maya Angelou).
Façamos sentir e deixar o outro sem palavras. Deixemos ser tocados e
encontrar a serenidade nesse estado pleno, sem palavras. Também é isto a
missão.
Sem palavras 1: Ir a caminho de uma festa da banda e ver ao longe uma paisagem tal qual a que via do Remexio, Timor-Leste, sem a autoestrada impecável, nesse aspeto era mais estrada de terra com buracos e muiiiito verde: mar e ao longe a ilha de Ataúro (as nuvens cá em Portugal fizeram isto para mim, de certeza!) (desculpem o vidro sujo do autocarro!!)
Sem palavras 2: Esta oração em pleno Caminho de Santiago com o CUFC, "precisar que Tu me ajudes a dar-Te o melhor de mim".
Sem palavras 3: Estas 3 juntas deixam-vos sem palavras, garanto-vos...
Sem palavras 4: Mais um pôr-do sol :)
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