As estrelas escondidas

A Ir. pode escrever? Sim, posso! Claro, que mais podia dizer? Entretanto enrolo-me entre as leituras sobre São Martinho de Porres e as memórias da infância, da juventude, da vida sobre este dia! Num dia de céu cinzento, ficar em casa para escrever, em vez da caminhada higiénica, tornou-se uma excelente desculpa… 

Que posso refletir convosco sobre o dia de todos os Santos ou, dos fiéis defuntos ou de São Martinho de Porres, que tenha alguma serventia? Bem, se me pediram, comecemos por relembrar 2 ou 3 factos históricos, seguindo a ordem do calendário. 

Hoje dia 1 a Igreja celebra a festa das “estrelas escondidas”. Estrelas? Sim, a Igreja tem a maioria dos dias do calendário (liturgico) cheios com nomes de homens, mulheres, Jovens (Pedro Frassati; Carlos Acutis (mais recente)) ou até crianças  (S. Paio de Córdova, conhecido como São Paio, Sampaio ou São Pelágio, mártir aos 10 anos; Francisco  e Jacinta Marto), sobre estes santos há literatura, e o seu culto é publico e a Igreja apresenta-os como modelos, tipo super herois que viveram a amizade com Deus e com o próximo a 100%. 

Mas hoje a Igreja celebra as estrelas escondidas!  Aqueles que na vida comum, até nos chateavam, pela sua caridade, ou a devoção à Eucaristia ou tantos outros aspectos! Hoje é o dia dos “Santos escondidos na minha e na tua vida”, daquelas estrelas que o mundo não conhece… É o teu dia minha mãe, meu modelo, minha utopia… Mas também minha Irmã, meu irmão (e aqui a lista cresce, porque só tenho uma mãe,) tenho a graça de ter vivido com várias mulheres Santas e conhecido e sido amiga de alguns Santos!!!

E se uma estrela tem luz própria, um planeta recebe o reflexo da estrela… E vós “santos meus” ensinaste-me que a grande Estrela é e será Cristo e “todo aquele que tem n’Ele esta esperança, purifica-se a si mesmo ”!!!  Em sintese o dia dos Santos (escondidos, desconhecidos…) foi instituído pela Igreja do Ocidente, uma vez, que a Igreja do Oriente já tinha esta festividade, pelo Papa Bonifácio IV a 13 de maio de 610, ao consagrar o panteão romano à Virgem e a todos os santos.  Esta festa foi sendo celebrada e pelo século IX, passou a ser em todos os países a 1 de novembro.  

Havia a necessidade de catequizar os povos eropeus que seguindo os costumes celtas ou romanos no ultimo dia de novembro celebravam a vida de todos os que haviam falecido; ou os deuses dos Lares, os seus familiares que haviam partido. Mas reconhecendo a necessidade de rezar por aqueles que faleceram, mas podem ainda não estar na presença de Deus surge o dia dos fiéis defuntos, a 2 de novembro. Se na América se pretende exorcisar o medo dos mortos com brincadeiras, cá, em muitas terras, o dia 1 é chamado o dia do “bolinho” ou dos “Santos”, em que uns pediam e outros davam pelas “alminhas”. Recordo, de neste dia alguém bater à minha porta a pedir pelas almas e a minha mãe deu a garrafa de azeite e o que tinha de melhor, sei que me admirei, mas, mesmo sem saber ler ainda, aprendi a primeira grande lição, “Deus nunca se deixa vencer em generosidade”. 

Ui é melhor entrar no terceiro facto, São Martinho de Porres, ou Lima, sua cidade natal, padroeiro do Perú, da America latina, dos irmãos cooperadores, dos barbeiros, cirurgiões e a lista podia continuar… Celebrado dia 3 de novembro, dia em que partiu para o céu. Terá sido Martinho uma estrela escondida? Realmente para a Europa conhecemos São Martinho como o famoso cavaleiro de Tours, celebrado dia 11, que viveu no século IV (316-397), e terá dado metade da sua capa a um pobre, que no fundo era o Seu Senhor. 

O nosso Martinho nasceu em Lima, em 1539, filho de um cavaleiro espanhol e de uma negra liberta (panamenha), nasceu mestiço, num tempo de liderança branca, numa America governada pelos espanhóis, onde as indicações do Papa era de que as Ordens Religiosas não recebessem mestiços. Aprendia o ofício de barbeiro/cirurgião quando o amor à Eucaristia, e à Paixão do Redentor o levaram a pedir para entrar na Ordem Dominicana. Foi aceite como donato, que eram leigos aceites nas Ordens, mas que nem chegavam a fazer votos, mesmo que usassem o hábito. No caso de Martinho a paixão por Deus e pelos Irmãos era tal, que o convidaram a professar, (fazer os votos de pobreza, castidade e obediência,) tornou-se Irmão cooperador. Seja no feminino ou no masculino, os cooperadores, conversos ou coadjutores são aqueles que dentro de uma ordem ou Congregação desempenham as tarefas mais humildes e que no caso dos homens, não eram Ordenados, (não eram padres). Felizmente o Vaticano II veio lembrar que todos terão os mesmos direitos e deveres. (2)  

Dizem que todos atendia com ternura e misericórdia, como porteiro do covento, ficou conhecido pelo “irmão vassoura”, ou “Martinho da Caridade”, conta uma lenda que até os animais lhe obedeciam! Ou seja, discretamente, no meio de uma comunidade Religosa, Martinho destingue-se, como um pequeno planeta que reflete a luz do Sol! 

Martinho morreu em 1639, beatificado por Gregório XVI em 1837 e canonizado por João XXIII a 6 de março de 1962. Foi o primeiro negro da história a ser beatificado e canonizado! Com ele aprendemos que a Santidade é graça de Deus e também resposta da nossa parte, que não é a cor, a cultura ou o país que determinam quem somos. Martinho é lembrado em todos os continentes, mas viveu, discreto, humilde, servo de todos! E tu, queres ser Santo? Mas podemos ser cristãos sem querer ser Santos? 

Ir. Flávia Lourenço, op

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1. Cf. Jo 3,1-3
2. Cf. Vaticano II;  PC (A renovação da Vida Religiosa, nº 15)

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