ENTRE TANTOS - Maria Madalena



Todas as Páscoas são para mim especiais, desde pequenina quando corria as casas dos vizinhos dos meus avós para beijar a cruz o máximo de vezes, quando brincava com a vela na vigília pascal (ups, ainda brinco...), quando queria levar com a água benta bem em cima, quando montava o oratório em plena mesinha da sala de estar com a minha Bíblia, o meu terço, a minha coleção de livros com as histórias de Jesus que os meus padrinhos me deram, uma cruz, uma vela e os naprons que a minha avó me fazia para tudo embelezar. À medida que fui crescendo, fui indo além desses sinais físicos e fui começando a prestar mais atenção aos pormenores desta história que mudou toda a História. Nestes últimos anos, tem sido bastante engraçado como naturalmente me tenho detido a viver a Páscoa debruçada e imersa numa personagem do evangelho. Surgem as dúvidas, as questões: "porque agiu daquela maneira?", "porque lhe terá acontecido isso?" entre muitas mais. Encontro algum entendimento para as mesmas... pois, bem, na Páscoa seguinte. Parece que Deus me faz precisar daquele ano para conseguir olhar mais longe e para realmente conseguir um pouco do quanto me posso identificar com essa personagem.
O primeiro foi Simão Pedro, o que fazia aquelas declarações espontâneas e sinceras de que Jesus era o Messias e depois O negou três vezes. Na Páscoa seguinte foi Judas, o fiel apóstolo de Jesus à imagem das suas próprias expectativas. Depois o discípulo amado, João, que nunca o abandonou, mesmo quando teria sido fácil e que aceitou Maria como sua Mãe, a que me acompanha todos os anos, a que assiste a todo aquele terror e tem de continuar a dizer "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim a Tua palavra". O ano passado foi Maria Madalena, a primeira testemunha da ressurreição e o porquê de assim ter sido. Cá estou eu este ano, já com uma ou duas ideias que me fazem sentido, a querer partilhá-las convosco.
Quando pensamos em Maria Madalena, vem-nos imediatamente à mente a imagem da prostituta, da mulher da má vida. Se formos fiéis ao Evangelho, encontramos a primeira referência no capítulo 8 de S. Lucas: "Mulheres servem o Senhor": Ela, com Joana, Susana e muitas outras acompanhavam os Doze e Jesus, de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a Boa Nova do Reino de Deus. Sobre ela, é referido "apenas" que dela lhe tinham saído 7 demónios, ou seja, todos os demónios, mais houvesse, mais ela teria. E sabemos que tal só pode vir do encontro com Jesus que nos cura com a sua misericórdia. Desde então, Maria Madalena é a apóstola leal que serve com os seus bens, com tudo o que tem, porque Jesus lhe deu uma nova oportunidade: não para renascer, como quem faz retry num jogo ou replay numa música e tudo será igual, mas para ressuscitar, onde não fazemos reset, tal software, antes podemos deixar o passado para trás das costas porque já conseguimos ver, inundados pela luz, com um olhar de esperança, o futuro de vida nova que nos está desde sempre destinado.
Percebi então: quem mais para além de Maria Madalena poderia primeiramente anunciar a Boa Nova da ressurreição se não ela que já tinha ressuscitado? Mais: quem mais para além de Maria Madalena poderia realmente acreditar que o seu mestre tinha ressuscitado se não ela que o acompanhara durante toda a sua paixão e morte? Se tudo se cumprira como Ele dissera, porque seria a ressurreição exceção? Ela que sempre estivera presente durante a Sua missão no fundo acreditava desde logo que a ressurreição era o único desfecho possível. Perante o túmulo vazio, não ver o corpo assusta-a mas essa crença profunda começa a vir ao de cima: "será que...?", "e se...?". E a voz chama "Maria!", aquela voz única que a salvara, que a amava infinitamente, de quem ela sentia esse amor infinito até ao infinito, finalmente tudo confirma. "Sim, sou eu, minha Discípula (tão) Amada." Ela, a primeira a vê-Lo porque foi a primeira a querer vê-Lo, mal fosse possível. E que chamou os outros, lá veio também o Discípulo Amado, que tudo viu e acreditou.
Quero crer que Jesus poderia ter morrido sem ressuscitar que Maria Madalena iria anunciar a ressurreição, a dela, que este homem visionário, com as suas palavras apontadas ao coração, conseguira operar. Esse homem que desafiara tudo e todos e a encaminhara numa forma de viver diferente e radical, onde todos têm a mesma dignidade.
Mas esse homem ressuscitou para dar testemunho maior de que esse Deus em que acreditamos não precisa dos nossos sacrifícios, não é um Deus distante e dominador, ressuscitou para que possamos acreditar de uma vez por todas que Ele nos ama. Ponto final. Esse homem, Filho de Deus, divino, ressuscitou para nos dizer que o Seu Pai, nosso Pai, está disposto a tudo para que os seus filhos possam verdadeiramente viver. Sim, Jesus ressuscitou para que nós aceitemos de uma vez por todas que nós somos filhos, muito amados, não importa mais nada.
Jesus ressuscitou para que nós ressuscitemos. Podemos afastar-nos, vezes sem conta, que ele vezes sem conta nos espera, nos vê ao longe, corre para nos abraçar e há festa e há vitelo gordo e há anel e há dança e há música e o céu rejubila.
Maria Madalena viu o Senhor e correu para o anunciar, irradiando alegria, partilhando com voz embargada tantas maravilhas. Que cada ressurreição nos abra o coração para vermos o Senhor, para o vermos nos outros, para o vermos em nós, para o vermos sempre porque ele sempre nos chamará pelo nosso nome, porque ele sempre nos dará vida.

PS: Este ano, muitas vezes veio-me ao pensamento Pôncio Pilatos... lava as mãos mas frisa "Rei dos Judeus, sim, o que está escrito está escrito". Até para o ano!
                                                                                                                                  Ana Emanuel Nunes

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