Será que a genética determina quem sou? - Parte III

Falácias...

Texto sociológico elaborado por Beatriz Marques

[Este artigo pretende analisar do ponto de vista sociológico o determinismo biológico. O texto 1, publicado a 30/10/2020 - https://dominismissio.blogspot.com/2020/10/sera-que-genetica-determina-quem-sou.html - faz a contextualização histórica da questão. O 2º texto publicado a 16/11/2020 - https://dominismissio.blogspot.com/2020/11/sera-que-genetica-determina-quem-sou.html - parte da questão, se está tudo nos genes. O determinismo biológico justificaria uma sociedade “naturalmente hierárquica”. Contudo, “Não se é determinado pelos genes mas sim influenciado pelos mesmos”. “Estima-se que 80% das diferenças entre indivíduos são causadas pelos genes e 20% pelo meio“.]

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Falácias

Complementarmente, não se pode prever a raça dos indivíduos através da variabilidade da frequência de diferentes alelos se os carateres forem isolados num único locus específico. (3)

Não obstante, Jensen (1969), Herrnstein e Murray (1995), Rushton (1995), Lynn e Vanhanen (2002)… argumentaram que muitas desigualdades sociais e políticas inter e intra nações se devem em grande escala às diferenças hereditárias, nomeadamente às habilidades intrínsecas de cada raça. (4)

Por outro lado, A.W.F. Edwards (2003) criticou os argumentos usados por Lewontin contra a discriminação racial em The Apportionment of Human Diversity (1972) por serem superficiais e circulares (falácia, em que se define um termo usando o próprio conceito que se está a definir). O organismo teria de ser estudado como um todo, e partindo deste princípio facilmente se detetam diferenças raciais de população para população. Nunca se pode esquecer que na realidade, a informação genética está sempre articulada entre si, nunca se devendo dissociar. Assim apesar dos resultados apresentados estarem concordantes com as análises efetuadas, ignorar a estrutura real dos mesmos, torna a justificação da eliminação dos preconceitos e crenças raciais insuficiente. Ora, a genética fornece vários dados úteis mas o que se faz com os mesmos é outra questão, pois como se observa neste caso, pode ser arriscado suportar questões sociais, como a igualdade, baseadas em semelhanças biológicas, que uma vez reveladas poderão ser argumento para justificar o seu oposto (desigualdade moral). (3)

O antropologista Jonathan Marks concorda que a correlação entre áreas geográficas e traços genéticos existe, mas aponta que o termo “raça” foi exponencialmente difundido no século XX para, acima de tudo, salientar a heterogeneidade entre grupos compostos por indivíduos homogéneos, o que na verdade é improvável na medida em que todos são diferentes independentemente de pertencerem ou não a uma mesma etnia. (4)

O filósofo Jonathan Kaplan vai mais longe ao salientar que o facto dos grupos raciais serem geneticamente distintos, não significar que a raça deva ser a ferramenta mais básica de divisão da população mundial, ou pior, uma construção social, que aumenta de proporções quando os intelectuais se debruçam nas mesmas. (4)


Flexibilidade humana

Uma vez mais, não é só nos genes que reside a causa direta e mais importante do comportamento social do Homem (como defende Lorenz), mas também na própria cultura (como afirma Skinner) visto que as configurações orgânicas atribuídas às suas atitudes são adquiridas e não inatas. A pretensão de separar os genes do ambiente em fronteiras perceptíveis e demarcáveis é impossível pois a cultura é decisiva na evolução do Homem, orientando, fundindo-se e por vezes sobrepondo-se mesmo à própria herança biológica. A evolução é assim moldada por processos e carateres físicos, psicológicos e culturais que se misturam intimamente, pelas ideias e respetivas transformações e pelo meio social constantemente recriado e modificado. O geneticismo inflexível legitima as diferenças de classe, de capacidade intelectual, de orientação sexual, de inclinação partidária… reduzindo-as a genes “bons” e “maus”. Tal é caucionado por uma biologia que inviabiliza os esforços de reformas sociais (para construir uma sociedade diferente) e reduz o que o Homem faz/pensa a algo governado exclusivamente por genes. (5)

Tudo o que o Homem faz tem causa em si próprio e relaciona-se com as circunstâncias específicas que enfrenta. É um ser de recusas, especial e sensível à aprendizagem, dotado de invento e oposição à fatalidade. É um animal marcado pelo indeterminismo, realizando-se em múltiplas direções. Esta flexibilidade é herdada, não aprisiona e nunca se completa. É, por isso imprudente, conotar o código genético, que estabelece um fio lógico de causalidade entre o DNA e a forma/função de um aminoácido, com uma conduta regida pelo genoma, que por sua vez não é mais do que um jogo íntimo de combinações que dura a vida inteira. Posto isto, uma mudança social que requeira a ação (e manuseamento) de agentes biomoleculares providencia efeitos praticamente inexistentes pois existem aspetos em que a sujeição aos genes é nula. (5)

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3. Edwards, A.W.F. (2003) Human genetic diversity: Lewontin´s fallacy. Cambridge

4. Kaplan, J.M., Winther,R.G. (2014) Realism, antirealism and conventionalism

about race - philosophy of science. pp. 10-15.

5. Sacarrão, Germano da Fonseca (1986) A flexibilidade humana. Prefácio. In: Lewontin, R.C. (1984) Não nos nossos genes: biologia, ideologia e natureza humana. Lisboa pp. 8-20.

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